LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

sábado, 28 de maio de 2011

Algo de errado com Le Clézio

Acabei de ler Peixe Dourado, minha segunda experiência com J.M.G.Le Clézio, o premiado e badalado autor francês da contemporaneidade. Assim como aconteceu com Refrão da fome, fiquei decepcionada. Há algo que não me convence, nessas narrativas - principalmente, porque são feitas em primeira pessoa, e o trabalho com o tempo (e o próprio traçado da história do protagonista) fica superficial demais. Personagens aparecem e desaparecem com rapidez inverossímil. Claro que existem passagens interessantes e poéticas, mas o livro em si permanece gratuito, sem uma razão coesiva.
Quem se aventura pela escrita de um romance deve conviver bem - e profundamente - com as figuras que cria. Esse não parece ser o caso de Le Clézio. Seus personagens são marionetes, descritos de forma rasa ou estereotipada. Alguns vivem experiências incomuns, mas sua personalidade é a de um fantoche: sinal de que faltou algo, nesse processo que somente os bons conseguem transformar em verdadeira literatura...

Vilhelm Hammershøi


Este artista dinamarquês foi chamado de "poeta do silêncio". Vendo alguns de seus quadros, não causa espanto que a definição apele para a escrita e a música, tentando definir um artista plástico. Há algo de misterioso no gris da sua paleta: qualquer coisa melancólica e extremamente terna, que parece suspensa, na iminência de transcender.
A mim, seus temas lembram os interiores de Vermeer - apesar da grande diferença cromática - e isso já é um fator que me cativa para sempre.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O lançamento do ano


“O Cravo Roxo do Diabo”: o conto fantástico no Ceará

(Expressão Gráfica e Editora/ Selo Edição do CAOS)

Organização de Pedro Salgueiro

e pesquisa de Sânzio de Azevedo, Pedro Salgueiro e Alves de Aquino (Poeta de Meia-Tigela)

— ganhador do VI Edital de Incentivo às Artes da SECULT —

O FANTÁSTICO em 130 contos, 60 poemas e

17 recortes de romances cearenses.

A maior e mais completa coletânea do gênero no Estado!

Data: 1º de junho de 2011 (quarta-feira)

Horário: 19h

Local: SESC/SENAC Iracema (Rua Boris, 90 – ao lado do Dragão do Mar)

Apresentação: Entrevista de Carlos Vazconcelos, no Projeto “Bazar das Letras do SESC”, com o organizador e pesquisadores da obra.

Preço Promocional de Lançamento: apenas R$ 30,00 (na compra de dois exemplares, R$ 50,00)

Especificação do livro: CAPA DURA, formato 16,5 x 23,5 cm, miolo de 676 páginas em papel pólen.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Prazer do ócio

Sempre recebo sugestões para ocupar horas vagas com atividades extras, algo rentável, imperdível ou fora de série. E houve um tempo – não distante – em que eu de fato acumulava tarefas profissionais. Durante meses, não vivia; simplesmente funcionava. Perdia a consciência do corpo, pensando na saúde como se ela fosse um mero combustível para que a máquina em que eu me transformara pudesse continuar. Obedecia ao relógio, sentindo imensa culpa com atrasos, e esperava o domingo para soltar um pouco o fôlego. Mesmo assim, lembrava que a diversão gerava compromissos acumulados, com mais pressa e menos descanso nos dias seguintes.

O que aconteceu para que eu percebesse que essa mecanização era absurda e nada compensava o lazer perdido? Será que estive numa fronteira perigosa, correndo riscos sérios por algum motivo, e nessa ocasião iluminei-me? Ou, ao contrário, fui na direção oposta da espiritualidade, com uma mudança guiada pelo dinheiro, uma loteria súbita que me permitisse recusar qualquer renda extra? Nenhum desses extremos foi a causa. Simplesmente enxerguei o abismo que havia entre o período de férias e o resto do ano. Numa etapa eu era feliz; na outra, não.

Claro que chegar a esse dualismo não foi fácil. Nos momentos de lazer, eu tinha uma espécie de abstinência do trabalho e me sentia vazia ou – pior – impregnada de uma auto-rejeição, como se desenvolvesse uma paranóia de me sentir inútil. O meu valor estava atrelado à eficiência, à produção, aos resultados que nasciam com o trabalho... Ora, mas existe um limite para o molde que a sociedade impõe ao sujeito! Nunca quis ser um produto, número ou peça de qualquer coisa. Queria, antes, satisfazer aquela emoção que experimentava durante as férias: a descoberta do ócio. O ócio de uma criança que brinca sem prazo para terminar. O ócio de um bicho, de um pássaro com seus trinados que são só beleza, e não subsistência.

Há quem pense que hora livre é sinônimo de tédio e o moto-contínuo do trabalho serve para driblar os pensamentos ou a necessidade de tomar decisões. Pois a esses eu digo que o ócio não é ficar sem fazer nada; ao contrário, é fazer o que se quer, na hora em que dá vontade. Lógico que existem pessoas que não sabem o que querem e desconhecem as próprias vontades. O trabalho, então, automatiza, afasta o mistério de olhar para si mesmo – e, quem sabe, assustar-se. Para essas criaturas, talvez não exista saída: condenaram-se à própria falta de criatividade.

Mas relaxar pode ser tão simples! Tomar um sorvete, ir ao cinema por impulso, telefonar para um amigo, ler um livro, passear... Para desfrutar dessas coisas, não é preciso grande empenho. O ócio funciona espontaneamente, semelhante a alguém que mergulha num cochilo, sem se dar conta, sem preparo. O prazer que daí surge parece óbvio, mas é difícil de se conseguir, nestas épocas de urbanidade. Ficar à toa, sem remorsos, chega a ser uma dádiva – algo muito próximo da felicidade.


Tércia Montenegro (crônica publicada hoje e disponível em http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/05/25/noticiaopiniaojornal,2248697/prazer-do-ocio.shtml)

domingo, 22 de maio de 2011

Hoje é dia de...

Papo pro ar! Relax total...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Claudia Andujar


Ontem tive a maravilhosa oportunidade de conhecer pessoalmente a fotógrafa Claudia Andujar, sobre cujo trabalho já falei em pelo menos duas ocasiões, aqui neste blog. Claudia veio fazer palestra dentro da programação do I Colóquio de Pesquisas em Narrativas Audiovisuais. Ela rememorou as circunstâncias que a fizeram morar no Brasil e se apaixonar pela cultura yanomami. Ouvi-la serviu para constatar, mais uma vez, que a arte não surge necessariamente de um planejamento cerebral ou (como alguns querem) de estratégias fixas. Ao contrário, o artista é um sujeito disponível e intuitivo, acima de tudo. Tem de ter talento, claro, mas também tem de se abrir para os caminhos possíveis que a vida lhe apresenta - e segui-los.

domingo, 15 de maio de 2011

O horror ingênuo


Este fim-de-semana foi reservado para os quadrinhos: mergulhei nas histórias do Will Eisner (com o Spirit) e também conferi o volume Cripta, que traz as cinco primeiras edições da revista Eerie. É curioso como histórias que nasceram com pretensão sombria podem se tornar goticamente exóticas, tempos depois. A estrutura de apresentação e as narrativas em si chegam a despertar risos, ao contrário de medo - mas isso não é culpa da qualidade dos textos ou das imagens (quase todas muito boas!). O que mudou foi o público. Hoje não estamos mais acostumados a esse terror estimulado por figuras cadavéricas ou demoníacas; a expectativa de um assalto a mão armada nos aciona bem mais adrenalina. É lamentável como a vida urbana roubou essa ingenuidade de acreditarmos em mundos sombrios e maldições. Houve uma época em que os assombros nasciam do imaginário, e não das agressões reais, pouquíssimo criativas, da vida moderna.
Quando leio essas HQs sinto justificada a necessidade que alguns turistas sentem de se hospedar em casarões mal-assombrados ou velhos castelos ingleses, por exemplo. É a nostalgia dos relatos de horror que os motiva. Talvez o friozinho na espinha, ao pressentimento de um fantasma que arrasta correntes, seja uma espécie de reencontro com uma mitologia já quase totalmente abandonada...

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Atos de fé e loucura

Finalmente concluí a minha "fase Canetti", ao menos no que diz respeito à bibliografia principal: a trilogia memorialística e o romance Auto-de-fé. Aliás, não creio que minha leitura desta última obra pudesse ter sido tão proveitosa, sem os livros anteriores. Está cada vez mais claro para mim que a autobiografia é um elemento imprescindível, não para a interpretação, mas para a criação de uma obra artística - e, como consequência, para a compreensão do processo criador que gerou aquele texto. Assim, vejo como marcas fortes de vivência o amor pelos livros, o irmão médico Georges, a esposa mais velha, a própria misoginia que acometeu Canetti na juventude (algo que ele obviamente superou, para ter se casado duas vezes), o encanto por Michelangelo, o estudo sobre as massas, a visão de um incêndio... Nada disso, porém, faria uma obra sem o talento que o autor teve para com a linguagem, ou sem o jogo narrativo que constrói personagens capazes de inspirar náusea e revolta. O riso mistura-se ao repúdio, e Kien (este novo Quixote) é o mártir da loucura alheia. Enquanto esteve só, em sua solidão insana, nenhum perigo o rondava. O mal só veio no convívio com os outros, seres absurdos todos, num circo maníaco de obsessões.
A imolação pelo fogo - martírio e censura a um só tempo - reflete a subjacente ideia da literatura não como auto-de-fé (sacrifício), mas como ato de fé, gesto irremediável de esperança. Não essa esperança comezinha e cotidiana, voltada para qualquer diversão passageira, ou mesmo para um aprendizado grandioso. A fé presente na literatura não se direciona ao leitor, pois não é ele o deus exaltado por este sentimento. O autor é um devoto do seu próprio instrumento de criação, põe nele todo o investimento, disciplina e concentração - sob pena de ser tido como louco pelos demais, que não compreendem tamanho ostracismo. Às vezes, inclusive, sucede de um escritor realmente enlouquecer, embora tal desfecho nunca seja garantia de talento irrepresável: também os simplórios endoidecem. É com este paradoxo inquisitorial que Canetti ergue, num só livro, uma biblioteca inteira, que (desfeita em cinzas, após a leitura) instaura uma rede de influências e riquezas. Tudo isso já existia (claro) dentro do próprio autor - mas lhe foi necessário conceber um livro para poder contemplá-lo. É o que diz um trecho do posfácio:
"A crueldade daquele que se obriga à verdade atormenta sobretudo a ele próprio: o que o escritor inflige a si próprio é cem vezes mais do que faz ao leitor." (p.628)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

MONSTRA - agora sim!

Amor às máquinas

Conheço pessoas que amam suas máquinas. São capazes de dedicar tardes inteiras ao banho ritualístico do carro, tratam com diminutivos o computador e fazem mãos de seda para tocar no aparelho de som. É curioso, esse entendimento entre um ser vivo e um conjunto de engrenagens, mas – ainda que isso vire mote de filmes doces como Inteligência artificial – não me parece coisa natural. Justamente por não ser algo da natureza, uma máquina não me traz grande emoção.

Lógico que elas estão cada vez mais sofisticadas, e o mercado sabe estimular a súbita necessidade ou dependência que as máquinas impõem. Há modas e tendências ferozes em torno disso. Fala-se em revolução de comportamento, lavagem cerebral ou simples anseio de imitação: pouco importa a perspectiva de análise, o fato é que cada vez mais consumidores caem, fascinados pela potência da tecnologia.

Existem mesmo os que usam a aparência de suas máquinas como slogans temperamentais. Isso é típico no uso de carros, quando a escolha do modelo parece servir como anúncio do estilo do motorista – embora muitas vezes tal estilo fique só na intenção, sem corresponder à verdade. Os psicólogos saberão analisar o mecanismo compensatório que faz com que certos homens adquiram veículos gigantescos, blindados, capazes de fazer rali na Lua. Geralmente, esses carros alcançam velocidade suicida – assim como algumas motos, que esvoaçam no trânsito, faiscando em ziguezague. Não é bonito de se ver, mas há gosto para tudo... Já escutei marmanjos suspirando, ao conversar sobre as características de automóveis: falam do painel, do motor, dos assentos, como se enumerassem encantos de um corpo desejável.

Hoje em dia há quem saia com a única companhia de seu celular. O aparelho disfarça qualquer solidão: com ele, conversa-se, fotografa-se, joga-se, escreve-se... tudo em meio a jantares, sessões de cinema ou reuniões de trabalho. Chego a me sentir apiedada de gente assim, com seus parceiros eletrônicos tão parcos de sensibilidade, tão vazios de cheiro, carne e afeto real. O próprio sentimento que parece voltado à máquina nunca é estável; aquela euforia do início, com um apego exagerado aos benefícios e belezas da nova aquisição, logo desaparece. O mercado lança um exemplar diferente, ou um instrumento completamente inédito, e em pouco tempo o aparelho anterior torna-se antigo, obsoleto.

A efemeridade no relacionamento com as máquinas cria uma noção de amor volátil. Elas sempre serão substituíveis e rotativas; por mais que despertem interesses infinitos, não sabem inspirar mistérios. Podem se tornar simulacros humanos com eficiência invejável – mas mantêm um jeito asséptico, uma neutra monotonia. E, por mais que criem presença através de ruídos, luzes ou fisionomia, nunca terão a temperatura ou o fôlego de um ser vivo. Essa diferença, para mim, é decisiva. Que o mundo se virtualize até o extremo; eu continuarei preferindo a existência de árvores, bichos e gente.





Tércia Montenegro (crônica publicada hoje, na coluna Opinião, do jornal O Povo. Disponível em
http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/05/11/noticiaopiniaojornal,2240777/amor-as-maquinas.shtml)

domingo, 8 de maio de 2011

MG em HQ

Neste fim-de-semana, estive com o forte traço do Colin, nas Estórias Gerais - uma preparação para julho, quando farei expedição por terras mineiras. Mas creio que o sabor de minha viagem será outro, com a tônica sobre o ciclo do ouro e os profetas, e menor presença do jagunço roseano... De toda maneira, a atmosfera rústica está por todo esse nosso país, e aqui no Nordeste sobretudo!
Sinto falta de viajar pelo sertão. Sinto falta dos cheiros, dos barulhos no mato e da fartura numa mesa de madeira-de-lei: doces, coalhada, cajus cheirosos, queijos, tapioca coberta com paninho bordado, café coado e fervente, um galo espiando no parapeito da janela e, ao longe, o gado passando com um badalo triste de sino sem igreja.

sábado, 7 de maio de 2011

Um alumbramento


Um alumbramento, este Milagrário pessoal, do Agualusa. Cito só um trechinho, para deixar o sabor aflorar a vontade:

"Ao princípio, sim, sonhava com palavras, palavras já existentes, mas que nos seus sonhos assumiam significados muito diversos. Assim, por exemplo, pausa era um tipo de pássaro de asas breves e penas de um negror extremo. Cedo, uma dermatose na qual a pele se torna muito branca e fosforescente, brilhando no escuro. Amor, o nome que se dava à cor do céu momentos antes de o sol desaparecer no mar. Isto durou várias semanas, talvez meses. Júlio Branquinho construiu durante esse tempo uma língua que, sendo formalmente idêntica à nossa, com a mesma gramática e o mesmo léxico, expressava um mundo ao avesso. Ele dizia, vamos supor:
Vi um corvo planando lúgubre por sobre o milheiral.
E aquilo significava:
Encontrei um nefelibata hermafrodita escondido dentro do relógio de cuco."