LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Teotihuacán

Uma foto no lugar onde nascem os deuses...


quinta-feira, 26 de julho de 2012

A paz e o tédio


A PAZ E O TÉDIO

Há quem confunda a paz com o tédio e considere que uma vida tranquila é muito aborrecida. Nada mais enganoso! Quem conhece um estado pacífico sabe como ele pode ser divertido, envolvente e instigante, sem que para isso seja necessário o excesso de adrenalina. O problema é que, num mundo que celebra cada vez mais a ambição agressiva, atitudes calmas são consideradas estúpidas, lentas ou letárgicas.
Lembro um conhecido senhor que costumava pedir a Deus para jamais obter um porte de arma, porque senão com certeza soltaria uns tiros no trânsito e no trabalho. E certa mulher, ainda jovem mas horrivelmente rabugenta, uma vez me revelou que adorava brigas. Disse que a paz “lhe dava nos nervos” – e talvez por isso tenha escolhido, de propósito, um companheiro infiel. Ele sempre lhe fornece motivos para escândalos e vinganças, e ela nunca se sente distraída...
Ora, a paz é o antípoda da violência, não se confunde com marasmo ou comodismo. Quem prefere uma rotina de angústia e estresse porque acha que assim se mantém atento ou esperto, na verdade não está fugindo da banalidade – faz exatamente o contrário. Lugar-comum nos dias de hoje é o ritmo frenético, a agonia e a pressa. Quem vai na direção oposta não é o entediado, mas o pacífico.
A paz é um doce torpor, um sossego associado a sono e silêncio (e as próprias palavras parecem sussurrar quando se fala a respeito). O tédio é uma repetição infértil, um gesto inútil ou envelhecido. Há o tipo bocejante, com seu efeito soporífero: aparece em recitais de pseudopoesia, por exemplo, e em alguns livros ou filmes óbvios. Aliás, tudo o que seja óbvio, em arte ou fora dela, carrega um tédio fatal.
Acho especialmente entediantes as polêmicas – de toda espécie. Logo que avisto duas pessoas disputando argumentos, caio num cansaço instantâneo. Acontece o mesmo se me envolvo em conversas redundantes, pretensamente politizadas, ou se escuto projetos de bêbados ou exigências burocráticas. Tudo isso é tédio, porque é previsível.
Há inclusive um autoritarismo tedioso, próprio de pessoas mandonas (geralmente as mesmas que abominam a paz). De tanto repetirem gritos e ordens, já não inspiram medo; são circulares em seu estilo furioso. Suspeito que tais indivíduos ainda continuam no poder, em qualquer esfera que seja – familiar, profissional, não importa –, porque há os que confundem tédio com paz. Talvez exista uma paradoxal sensação de
segurança na vida ao lado de um carrasco. Lamento por estes pobres ingênuos, que ainda não perceberam como a paz é uma via de acesso para a liberdade.

Tércia Montenegro (crônica publicada no dia 18/07/2012, no jornal O Povo. Disponibilizada aqui com atraso por motivo de viagem.)

domingo, 15 de julho de 2012

Mais um motivo para o México

Nahui Olin, la dama de los gatos... Tenho de encontrar alguma obra dela!


O pensamento on the road

Trechos indispensáveis para "desgrilar" (apud J. Kerouac):

"Prisão é o lugar onde você promete a si mesmo o direito de viver."


"Agora saca só esse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando em onde irão dormir essa noite, quanto dinheiro irão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira chegarão onde pretendem - e quando terminarem de pensar já terão chegado onde querem, percebe? Mas parece que eles têm que se preocupar e trair suas horas, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas; ou então a desejos caprichosos puramente angustiados e angustiantes, suas almas realmente não terão paz a não ser que se agarrem a uma preocupação explícita e comprovada, e tendo encontrado uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles e eles sabem disso, e isso também os preocupa num círculo vicioso que não tem fim."

"Qual é a sua estrada, homem? - a estrada do místico, a estrada do louco, a estrada do arco-íris, a estrada dos peixes, qualquer estrada... Há sempre uma estrada em qualquer lugar, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância."

Ripley on the road

Eu já sou acostumada a episódios que fazem coincidir minha vida com as leituras do momento, mas dessa vez admito que o Grande Narrador se superou... Comecei julho com dois livros: On the road e a biografia da Patricia Highsmith. O primeiro, eu catei da estante motivada pela breve estreia do filme homônimo (e é claro que eu não iria ao cinema sem antes ter lido a história); o segundo foi um livro recém-lançado por aqui, que ganhei de presente. Nenhum dos dois estava me embevecendo, para falar a verdade: On the road tem que ser lido, claro, mas provavelmente a tradução que eu peguei silencia a criatividade linguística do Kerouac (que é um dos elementos mais comentados no prefácio e um dos menos perceptíveis no livro em si). Quanto à vida da Highsmith... bem, por mais que eu combata essa parcela de "leitor ingênuo" que ainda existe em mim e exige a identificação com um relato para que ele possa ser usufruído, eu realmente antipatizei com uma existência tão atormentada e dispersa. Já lembro o velho Drummond, dizendo que a obra tem de ser melhor que o autor, e parece ser justamente isso o que acontece no caso da criadora do talentoso Ripley.
As coincidências começaram quando, falando a respeito do México com meu amigo Renato, ele alertou para as viagens que a própria Highsmith fez para lá. Ora, ele não sabia que eu estava lendo essa biografia, então esse ponto já foi bastante curioso. Mas o principal "acaso" aconteceu quando fiz uma pesquisa sobre locais interessantes a visitar, e o site da prefeitura de Mexico City indica o Museo Ripley! Não, não se trata de uma reconstituição dos crimes desse personagem (embora essa fosse uma ótima ideia). O museu foi criado por um tal de Robert Ripley, que colecionou peças bizarras ao longo de sua vida! A coleção parece bastante pertinente para coincidir com o nome dessa criação de Patricia Highsmith. Certamente, quando eu estiver on the road, esta será minha primeira parada voluntária, em terras mexicanas!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A caminho do México

Amigos, este blog anda meio lento por várias razões: problemetos que sempre assombram as férias, computador enguiçado, falta de tempo e uma viagem à vista. Este último ponto é o único positivo e capaz de me fazer esquecer os demais. México será o meu destino, a partir da semana que vem. Acima, vocês têm a principal razão para eu ter escolhido este destino: Frida Kahlo, artista que me encantou desde que eu tinha uns 13 anos de idade. Ela me ensinou que não se pode fazer arte abdicando das próprias experiências, e o que parece personalíssimo tem o dom de virar universal, com o talento! Finalmente visitarei a famosa Casa Azul, onde a Frida morou - e, como o México tem muuuito mais, também serei vista em museus, igrejas, sítios arqueológicos e mercados de artesanato! Espero trazer ótimas impressões, na volta - mas, antes que eu parta, ainda deixarei para vocês mais uma crônica, na quarta-feira que vem.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Os sonâmbulos


OS SONÂMBULOS
           
            Talvez, pelo título desta crônica, um voraz leitor pense que vou tratar daquela obra memorável, Os sonâmbulos, de Hermann Broch. Ora, minha pretensão é bem menor: apesar de abordar assunto homônimo e aparentado ao do escritor austríaco (ao menos pelo que há de louco e filosófico neste tema), quero me dedicar ao trivial, à vida rotineira. Sim, porque sonâmbulos existem muitos, aqui mesmo em nossa cidade, em frenética atividade noturna e secreta.
            O mistério das ações realizadas durante o sono escapa às próprias pessoas que executam estas tarefas. Se algum dia chegam a se tornar conscientes do distúrbio, é pelo testemunho de alguém (que obrigatoriamente estava acordado), ou pelo registro de câmeras infiltradas sabe-se lá onde. Há os que cozinham durante o sono, os que se entregam a ensaios de mímica e os que se contentam em abrir gavetas à procura de um sapato. A maior parte desses atos deixa pistas, marcas que no dia seguinte se tornarão estranhíssimas. A polícia é chamada; culpam-se familiares ou vizinhos, até que o ingênuo sonâmbulo perceba que o problema está nele próprio.
Dificilmente a cura existe: conheço um homem tentou de tudo – da acupuntura ao exorcismo – mas, por fim, resignou-se. Pôs rede de proteção na varanda e ferrolhos duplos nas portas, para conter seus impulsos oníricos de fuga.
            As histórias de noctambulismo, porém, às vezes são poéticas e artísticas. Determinada senhora, que durante a adolescência desejou ser dançarina, passa as madrugadas bailando enquanto dorme – e o detalhe é que segue a coreografia de Pina Bausch no espetáculo Café Müller: dança com uma camisola branquíssima e muito fielmente, mas não há quem lhe tire as cadeiras do caminho. Assim, o exercício termina com vários hematomas, numa sala destruída... E o que dizer do pintor francês Georges Seurat? Sabe-se que alguns de seus quadros – principalmente os delicados nus do final da década de 1890 – foram pintados durante sessões sonambúlicas. É de se admirar tanta proeza, sobretudo quando sabemos que a técnica do pontilhismo cria uma textura tão detalhada!
            Entretanto, existem sonâmbulos do mal, figuras sinistras que se aproveitam do sono para justificar todo tipo de atitude. Nunca ouviram falar naquele político que supostamente tinha o hábito de assinar cheques em branco, enquanto dormia? Ele teria beneficiado inúmeros comparsas, que ficavam à espreita, na porta de seu quarto – mas há quem diga que essa versão apenas encobre uma corrupção safada e bastante consciente (como todas as que acontecem, aliás). Outros casos, de assassinos a adúlteros, têm sido inocentados quando se atribui ao sono a responsabilidade pelos atos. Por enquanto ainda são raros esses episódios de absolvição na justiça brasileira – o que nos livra de uma sociedade em que a violência, a longo prazo, seria atribuída ao delírio de adormecidos sanguinários. Por enquanto, basta que nos preocupemos com os insones em sua vigilância implacável.

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo. Disponível também em  http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/07/04/noticiasjornalopiniao,2871643/os-sonambulos.shtml)