LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Literatura russa

De novo, mergulho na arte eslava - dessa vez, com a Nova antologia do conto russo, publicada pela editora 34. Poucas coisas são tão boas para relaxar...

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Os mistérios


OS MISTÉRIOS


Todo criador de uma obra artística tem diante de si inúmeros componentes secretos por desvelar. Isso ocorre no instante decisivo de uma fotografia, que surge como num milagre (quase do mesmo modo com que surgem as palavras, para o laço do texto literário). Ocorre também na forma escondida sob a matéria-prima da escultura ou da tinta, ou nos sons ainda não modulados em música, nos movimentos que depois se transformarão em dança... Em qualquer arte existe uma zona misteriosa, não formulada racionalmente. Os pesquisadores constroem depois teorias e pensamentos em torno do ofício criador: algumas dessas questões são originais, inteligentes, científicas; outras não passam de meras curiosidades ou palpites.
Entretanto, por mais que as reflexões se tornem interessantes, insubstituível mesmo – e relevante – é sempre a arte. E há momentos em que se deve admitir que ela (não apenas como processo, mas também como produto) permanece com suas áreas inexplicáveis. Uma obra acabada não se submete a fórmulas ou expectativas, não se molda em previsibilidades. Este é, verdadeiramente, o seu ponto singular, nunca a sua fragilidade.
Costumo remoer tais ideias quando, na posição de apreciadora, caio na tentação de classificar meus sentimentos ou juízos diante de um espetáculo, uma pintura ou um filme. A tendência racionalizante é o grande vício humano, e eu tento experimentar às vezes o caminho contrário, de um olhar inocente, um contato que seja pura fruição. Ora, esse exercício tem me alertado para a necessidade de descartar explicações artísticas inclusive para as obras que tento fazer.
Sinceramente, nunca escrevi ou fotografei com o que se pode chamar de postura técnica. A paixão me domina, na hora de criar. A “frieza” profissional é posterior, no trabalho com diferentes versões, revisões, escolhas – e é óbvio que essa etapa é importantíssima, para amadurecer e consolidar o que se pretende. Entretanto, mal o processo termina, já me dedico a um novo projeto, um outro arrebatamento. A incerteza desse percurso é, talvez, o traço mais atraente e vertiginoso, aquilo de que não abro mão – e jamais abrirei.
A teoria pode ter prestígio e interesse para certas horas ou finalidades, mas somente o impulso prático inventa desafios. Quando um pensamento ou estilo estagna, isso pode parecer confortável, à primeira vista. Dá a impressão de um objetivo alcançado – mas essa é uma ilusão nociva. Torna-se estéril todo artista que adota uma fórmula ou molde para encaixar produtos autômatos, livres de dúvida e sofrimento criador. Da mesma forma, para o público, perde-se o impacto, quando se tenta substituir uma obra por sua intencionalidade. A velha pergunta sobre “o que o autor quis dizer” esconde, em nome de um simplismo tranquilizador, a mutilação de todas as riquezas que não podem ser traduzidas ou expressas a não ser daquela maneira que o autor adotou.  
Estou convencida de que, no território das reflexões, nada é mais danoso que um raciocínio fechado, cem por cento correto – assim como, em arte, nada é mais descartável que uma obra sem mistérios.

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Estocolmo


ESTOCOLMO

            Não, esta não é outra crônica de viagens – embora eu deseje, claro, conhecer a “Veneza do Norte” e algum dia, quem sabe... Mas hoje o tema vem sugerido por um velho episódio policial: o Assalto de Norrmalmstorg. Em 1973, bandidos suecos mantiveram, durante seis dias, vários reféns num banco – e o resultado foi que, após a liberação, as vítimas se mostraram solidárias com os agressores, recusando-se a incriminá-los. Desde então, os psicólogos adotaram o termo “síndrome de Estocolmo” para validar um comportamento de identificação emocional que pode ser extremo.
            Recordo esses fatos por causa de amigos que me contam histórias curiosas. A tal síndrome surge em muitas delas, como um sinal de carência comovente. De que outra forma poderíamos entender a solidão de D. Matilde, uma senhora de 80 anos que foi esfaqueada na Beira-Mar por um menino e, ainda a caminho do hospital, mostrou-se interessada pelo destino do infrator? Ela citava aos paramédicos uma série de instituições de proteção à infância delinquente, enquanto eles tentavam estabilizar as hemorragias.
Mal abandonou os curativos cirúrgicos, D. Matilda procurou a polícia para saber o paradeiro do menino. Conseguiu adotá-lo após uma enorme burocracia, e pode-se dizer que viveu feliz com ele, até que o garoto voltasse às drogas e vendesse todos os eletrodomésticos da casa para gastar no vício. A velhinha não tinha condições financeiras de repor os objetos, então se acostumou a viver sem telefone, geladeira, fogão, rádio, TV e secador de cabelo – mas aí o menino, dizem que já “acostumado com as mordomias”, declarou que não havia sido adotado para morar num lugar sem máquina alguma e, sendo assim, voltava à rua, onde pelo menos era livre.
Mais um episódio de carência e solidão ocorreu no ano passado, quando uma brasileira em viagem foi sequestrada por um beduíno egípcio. Ela ignorou as motivações políticas do ato, para interpretá-lo de um modo lírico. Apaixonou-se pelo rosto moreno, o turbante claro, os muitos panos que cobriam aquele corpo masculino. Ficou profundamente desapontada quando o beduíno a soltou, após negociações diplomáticas. Para falar a verdade, ele teve de amarrá-la no deserto, para não ser seguido pela moça inconformada. Não foi, portanto, um sinal de crueldade, a forma como a brasileira foi descoberta, com pernas e braços atados. Dizem que até hoje a jovem pede para dormir assim, presa por cordas: ainda sonha que o beduíno vem buscá-la.
A síndrome de Estocolmo rende histórias de amor – nem todas fracassadas, como as que vimos aqui. Há casos em que agressor e vítima se completam numa relação indestrutível, apesar de doentia. Em homenagem a esses afetos estranhos, escolho uma trilha sonora adequada. Termino esta crônica ao som de Muse, com o impacto da sua “Stockholm Syndrome”: This is the last time I'll abandon you/ And this is the last time I'll forget you/I wish I could...

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo e disponível também no respectivo site)

domingo, 9 de setembro de 2012

Russel & Ripley

Continuo com a leitura dos surrealistas (e, de tanto ler autores franceses em edições de língua espanhola, percebo como é cada vez mais urgente que eu planeje uma viagem para a França...). Após René Crevel, escolhi Raymond Russel, cujo Locus Solus me faz lembrar As Hortensias, do Feliberto Hernández, que comentei há alguns dias. A mesma ideia de um lugar doméstico dominado por engrenagens bizarras, ou por fetiches absurdos criados por seus donos, impera nos dois livros. Ora, assim também é inevitável que eu recorde minha recente visita ao México, com o seu museu Ripley. Antes de embarcar para a terra de Frida Kahlo, deixei uma postagem, neste blog, sobre o jogo das coincidências que me atraía a conferir esse museu, obrigatoriamente. Depois, de maneira que considero imperdoável, silenciei sobre o assunto, e apenas alguns amigos próximos souberam do motivo: o museu me pareceu mais engenhoso do que mágico, feito para agradar a mentalidades juvenis. Surrealidade me parece coisa bastante séria, embora não deixe de ser engraçada, às vezes; o problema é tratá-la com um apelo promocional exagerado (coisa que esse museu certamente faz). Mas esqueçamos o infame lado comercial, para que as boas recordações retornem...Durante a visita, fiz uma lista de peças e informações curiosas. Acompanhem abaixo a síntese do acervo do museu Ripley:
- um fetiche xamã de mandíbula de cervo;
- sandálias chinesas, da dinastia Manchú (com a dimensão do pé feminino ideal, que não devia ultrapassar 6 cm!);
- ovos de avestruz (um único ovo pode alimentar 12 pessoas e sua casca serve para transportar água no deserto);
- pinturas feitas em teias de aranha;
- uma réplica da Mona Lisa feita com 64 fatias de pão tostado (acho que essa nem o Vik Muniz faria...Confiram na imagem abaixo)
- um vestido feito com cabelo humano (argh!);
- uma pintura diatômica (fique sabendo que os diátomos são algas minúsculas que se encontram nas gotas da água do mar!)
- um vinho de Hong Kong, feito com fetos de rata (aaargh!).
- a foto de um homem que nasceu com duas pupilas em cada olho.
Se essa coleção não for la crème de la crème do Surrealismo, eu não sei o que pode ser...Locus Solus, do Russel, traz uma narrativa que "passeia" por um ambiente semelhante ao do museu Ripley. Ficaram interessados?




sexta-feira, 7 de setembro de 2012

René Crevel

Acabei de ler (novamente em versão de língua espanhola, resultado de uma viagem a Buenos Aires, dois anos atrás) Babilonia, de René Crevel. O livro é um marco da prosa surrealista, mas não parece "descosturado" como Nadja, por exemplo. Neste romance, Crevel associa os absurdos à mentalidade de uma garotinha - e digamos que o vertiginoso surreal fica, por assim dizer, um pouco justificado. No decorrer da história, o relato vai se tornando mais e mais bizarro e engraçado, além de poético. Há passagens lindas, como esta que traduzo: "(...) amanhã cruzará a canícula uma mulher com um xale de vento. Será a forasteira no umbral das ruas. Seu companheiro, o pai, terá os olhos amarelos, como se estivessem feitos de um metal que não é ouro. Os farrapos colocados nas janelas, em honra a este casal, vão estalar com todas as suas cores, e o verão, por um dia, por um único dia que nunca poderão esquecer as meninas que o tenham vivido, o verão não suportará a mínima precaução de penumbra." (pp.106-7)
A vida de Crevel é outra história de exagero e dramaticidade. Não dá para resumir; quem tiver interesse, busque mais informações. E quem quiser, também, pode conferir os capítulos de uma obra sua, Mon corps et moi, na língua original. Vejam no site http://melusine.univ-paris3.fr/CrevelMonCorps.html

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Roberto e Felisberto

Acabei de ler As Hortensias, do Felisberto Hernández, na linda edição da Grua em parceria com a Editorial Yaugurú, uruguaia. A sensação de reviver o estilo deste autor tão singular, que eu havia conhecido com os contos de O cavalo perdido e outras histórias, foi ótima! E agora creio que consegui formular o que antes havia intuído: uma semelhança de atmosfera que lembra muito a literatura de Roberto Arlt. Não se trata de proximidade através de temas ou de linguagem; é uma espécie de visão de mundo que os dois autores partilham. Ambos conhecem os absurdos que se escondem na realidade e sabem narrá-los com total descontração e simplicidade, mas sem perder o bom toque de ironia. Estou mencionando uma impressão que me veio, e que não cheguei a ver corroborada em nenhum estudo, mas para mim isso é muito forte: Felisberto Hernández e Roberto Arlt são irmãos literários. Façam a experiência de ler As Hortensias e depois passem para Os sete loucos ou O lança-chamas, ou vice-versa. Vocês estarão no mesmo universo criativo. Não por acaso, os dois autores nasceram no princípio do século XX, em países vizinhos, de mesma língua. Se chegaram algum dia a se encontrar, para mim é uma incógnita - mas não preciso dessa certeza para colocá-los bem juntos, na biblioteca.

II Colóquio Cearense de Semiótica

Amigos,

Estão abertas, até o próximo dia 10, as inscrições para o II Colóquio Cearense de Semiótica, que vai acontecer nos dias 17 e 18 de setembro, na Universidade Federal do Ceará. O evento está sendo organizado pelo grupo Semioce e trará grandes pesquisadores da área, como o professor Sémir Badir, da Université de Liège, e os professores Ivã Carlos Lopes e Waldir Beividas, da USP, dentre outros. Quem gosta de semiótica greimasiana não pode perder! As vagas são limitadas! Veja mais informações no endereço http://ufcsemiotica.blogspot.com.br/

sábado, 1 de setembro de 2012

Nossa Cidade

Amigos,

Agendem: dia 15 de setembro estreia a peça Nossa cidade, com direção de Thiago Arrais. Ficará em cartaz sempre às 20 h dos sábados, no Passeio Público, até o dia 20 de outubro. Cliquem no cartaz abaixo para ampliá-lo.