LIVROS E BICHOS

Este é o blog da Tércia Montenegro, dedicado preferencialmente a livros e bichos - mas o internauta munido de paciência também encontrará outros assuntos.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Álvares ou Fagundes?

Conforme comentei na crônica abaixo, diante da San Fran fica esta misteriosa imagem, do busto de Fagundes Varela com o nome e os dados de Álvares de Azevedo. Quem errou, afinal, na hora de homenagear um poeta romântico? Ou será que a intenção foi essa mesma, de fazer um dois em um e aproveitar o que ambos tinham de melhor - os versos e a aparência? Pensando bem, ficaria meio estranho ver um busto com a cabecinha tristonha do Álvares... O Fagundes é muito mais triunfante! Se bem que os seus poemas também valiam uma inscrição.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Uma semana em Sampa


UMA SEMANA EM SAMPA

O motivo inicial era assistir à linda peça O trem das onze, uma nova adaptação que o Lucas Sancho fez, do meu livro Linha Férrea – mas é claro que achei vários pretextos para visitar São Paulo. Experimentei a cidade como nunca havia feito: participei da passeata “Fora, Feliciano”, fui a um ensaio de concerto (para ouvir a missa glagolítica de Leos Janácek, sob a regência de Osmo Vänskä), empolguei-me com os páreos do Jóquei Clube (apesar de não ter ganho qualquer aposta) e me passei por arquiteta para entrar na Vila Penteado.
Óbvio que também fui a museus – e lá estavam Monet, Rembrandt, Goya e Velázquez, quase me pondo de joelhos em pleno Masp. No Ibirapuera, depois de ser ameaçada por uma mãe-cisne (eu fotografava os seus filhotes muito de perto), entrei na Oca, onde os “tesouros do Vaticano” se exibiam: pinturas e bustos de papas, galhetas preciosíssimas e casulas bordadas a ouro, píxides e missais. Isso aconteceu justamente no dia em que o argentino Francisco fazia os jornais do mundo inteiro ficarem idênticos.
“Vou te comprar um bebezinho da Seven Boys”, disse o meu namorado, e por um segundo pensei em tráfico de crianças ou, na melhor das hipóteses, um boneco infantilóide que eu deveria aceitar, com um sorriso. Felizmente, aquele era apenas o termo paulista para indicar um bolinho de mel ou maçã. Em culinária, aliás, São Paulo é uma coisa à parte: da boa pizza com os amigos até o shimeji na Liberdade, tudo merece elogios enfáticos. A capital dos excessos deve estar acostumada – o superlativo anda nos metrôs, com as enchentes humanas pontilhando escadas; a hipérbole agiganta prédios espelhados, de lojas e serviços incalculáveis.
Mas eu estava interessada na cidade histórica, principalmente. Havia começado o itinerário pelo cemitério da Consolação, onde Álvares de Azevedo transitava (e talvez hoje ali passe, como fantasma). O mapa indicou os locais em que Mário e Oswald de Andrade, Lobato, Tarsila do Amaral e Paulo Emílio Salles Gomes foram enterrados. Este último, cineasta, foi o grande companheiro de Lygia Fagundes Telles. Em homenagem a ela, visitei também a Faculdade de Direito do Largo São Francisco – a San Fran –, onde Lygia estudou. Na praça, conforme os relatos da escritora, notei a placa comemorativa ao Álvares de Azevedo, mas com a cabeça trocada pela de outro romântico, Fagundes Varela. E, como as nuvens conspiram a favor, quando saía da Catedral, meio estonteada com as abóbadas longuíssimas, ainda encontrei a sede da OAB que traz o nome de Goffredo Telles, o primeiro marido de Lygia...
Em Sampa também vi ótimos filmes, topei com uma escultura da Louise Bourgeois, um painel dos Gêmeos, um desfile de naturiciclismo – tudo isso em cinco dias. Mas a cidade é tão intensa que, se agora eu lá voltasse, descobriria outros inesgotáveis temas de susto e aprendizado.


Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo)





quinta-feira, 21 de março de 2013

Fora, Feliciano

Amigos,

A passeata do "Fora, Feliciano", em SP, foi um dos eventos mais pulsantes que eu já vi. É bom saber que as pessoas ainda não estão blasés o suficiente para ignorar o autoritarismo e a arrogância absurda desses que se dizem líderes. (In)Feliciano quem acredita nesse tipo de fé que segrega e exclui as pessoas.
Algumas fotos para reforçar nosso espírito - e continuamos contando o tempo: até quando esse sujeito vai ficar no cargo?



terça-feira, 19 de março de 2013

O Trem

Pausa para inserir uma foto especial, com o elenco da peça O trem das onze: esse pessoal é demais!  
 Beatriz Aguera, Edgar Cardoso, Érica Ribeiro, Gizelle Faria, Lucas Sancho, Rodrigo Morais e Thaize Pinheiro.

sexta-feira, 15 de março de 2013

O predestinado - A cada 15

De volta de Sampa, onde encontrei amigos e vivi uma programação intensa (nada menos do que quatro exposições, três filmes, duas peças teatrais e um concerto, além da visita a igrejas, cemitério, jóquei clube etc etc), tento retomar a rotina, já com mil prazos pendentes - todos a gerar aquela "angústia gostosa" de a gente não saber se consegue e no final acabar conseguindo. Uma parada neste blog, portanto, não será impossível, ao menos por duas semanas. Mas por enquanto recomendo o site da Grua, minha editora - e no projeto "A cada 15", está o meu texto O predestinado, nesta quinzena.
Quem quiser, pode ler em http://www.grualivros.com.br/a-cada-15/o-predestinado-tercia-montenegro

quarta-feira, 13 de março de 2013

Saltos do Paraná





SALTOS DO PARANÁ

Prudentópolis não cabe numa crônica: é por isso que volto ao tema. Para além de suas belezas ucranianas, esta terra é conhecida pelas cachoeiras gigantes e pela festa nacional do feijão preto, em agosto. Como viajei no carnaval, deixei de conhecer a hiperbólica feijoada (que, dizem, já entrou nos recordes) – mas, em compensação, tirei um dia inteiro para andar pela zona rural. Avisei ao guia do meu interesse por igrejas bizantinas, incrustadas nas áreas agrícolas e faxinais. Óbvio, porém, que não fiquei imune aos encantos da paisagem.        
Aprendi a distinguir as cores das plantações de soja, café e fumo. “As folhas do fumo são amarelas; depois de colhido, o produto vai para a estufa até ficar seco e quebradiço. Em seguida, a empresa tabagista lhe acrescenta umas quinhentas substâncias cancerígenas e o prepara para a venda” – comentou o guia, enquanto acelerava o jipe. Estávamos a caminho do Salto São João, passando pelo povoado Galícia, com sua bela igreja de São Miguel em frente a uma casa de jardim colorido por hortênsias e crianças loiras.
Enchi meus olhos com outras flores, dálias, girassóis – e mais eucaliptos e pinheiros às margens do caminho. Rumo ao Salto São Sebastião, plantações de milho nas encostas íngremes deram origem à expressão “plantar com espingarda e colher com laço”, mostrando o esforço de semear em ângulos tão difíceis. Mas aquela era a Serra da Esperança, então tudo podia acontecer, inclusive o aparecimento da Igreja da Transfiguração de Nosso Senhor, redonda, com cinco cúpulas brilhando de luxo numa zona agrícola...
Estava chovendo, e a trilha que nos levava à principal atração, o Salto São Francisco, cobriu-se de lama. Eu me agarrava a galhos e pedras, tentando não voltar com uma fratura exposta. Em certa altura do trecho, usei um cajado como bengala, sentindo-me uma espécie de feiticeira e lembrando que Visconde de Taunay por ali passara em 1886, também debaixo de forte chuva. Tentava me motivar, pensando que o autor de Inocência avançara por 6 km a pé “em local muito escabroso e difícil”, conforme escreveu no livro Paisagens brasileiras.
Quando finalmente contemplei o Salto gigante, com quase duzentos metros de queda, senti o êxtase do viajante realizado. Num segundo, a neblina se desfez, abrindo a visão da chapada com seu véu de água interminável. Aí a natureza me disse coisas na linguagem da imensidão – que, ao contrário do que se pensa, é muito discreta e suave. 

Tércia Montenegro (crônica publicada hoje no jornal O Povo)